Executivo
Munições roubadas na Paraíba e o mapa de ações criminosas no país
23/05/2021 12:22
Suetoni Souto Maior
Balas de diversos calibres são usadas nos crimes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil

O que o código UZZ18 tem a ver com chacinas e outros assassinatos com grande repercussão no Brasil? Respondo. Trata-se do lote de munições compradas pela Polícia Federal em 2006 e que foram roubadas da Agência dos Correios de Serra Branca, no Sertão paraibano. De lá saíram as balas usadas para o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Saíram também as usadas em duas chacinas com participação de policiais na Região Metropolitana de São Paulo entre 2012 e 2015 — na mais recente, 17 pessoas foram assassinadas.

Os casos são relatados em matéria publicada na edição deste domingo (23) do jornal O Globo. O lote em questão, roubado na Paraíba, foi o mais utilizado em ações criminosas no país. O texto conta que cartuchos comprados pelas forças de segurança foram usados em pelo menos 23 ações criminosas que culminaram nas mortes de 83 pessoas em oito estados de 2010 a 2020. O levantamento foi feito em parceria com o Instituto Sou da Paz. Eles identificaram 145 lotes diferentes de munição adquirida por polícias ou pelas Forças Armadas nas ocorrências.

Os lotes adquiridos pelas Forças Armadas foram usados em ações que incluem sete chacinas, cinco grandes apreensões de munição com criminosos e até um roubo. Na maior parte dos episódios, os desvios nunca foram esclarecidos, e não houve punições aos agentes públicos envolvidos. A pesquisa teve como base informações que integram processos e inquéritos sobre cartuchos coletados em cenas de crimes ou apreendidos em posse de criminosos. Grupos de extermínio e milícias atuaram em 15 dos crimes em que foi constatado o uso de munição desviada.

A análise dos dados revela que os projéteis desviados se “espalharam”: 13 lotes foram apreendidos em mais de uma ocorrência, e nove deles foram usados para cometer crimes em pelo menos dois estados.

‘Noite do terror’
O lote BAY18, comprado pela PM de São Paulo em 2007, foi o segundo encontrado em mais ocorrências: cartuchos do tipo foram apreendidos nas duas chacinas de São Paulo, na guerra do tráfico em São Gonçalo e no episódio que ficou conhecido como Noite do Terror de Londrina, no Paraná, em que um grupo de extermínio formado por policiais matou 11 pessoas para retaliar a morte de um soldado da PM. Em comum, os dois lotes com mais ocorrências têm o número de cartuchos acima do usual: o UZZ18 é composto por 2,4 milhões de projéteis; já o BAY18, por 3,9 milhões — ambos muito maiores do que o “lote padrão” de dez mil cartuchos estabelecido pelo Exército, responsável pelo controle de munição no país.

O promotor Marcelo Oliveira, do Ministério Público de São Paulo, afirma que, quando investigou a chacina de Osasco, em 2015, a compra de lotes grandes inviabilizou o rastreamento da munição. “Se o mesmo número de lote é colocado numa quantidade grande de cartuchos, o rastreamento é impossível. Em tese, a marcação existe para que seja possível refazer o caminho do lote e descobrir onde houve o desvio. No caso de lotes com mais de dois milhões de unidades, distribuídos por vários batalhões, isso é impossível”, disse.

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