Todo jornalista que cobre política está acostumado a se deparar com interpretações por vezes surpreendentes (para não dizer esquisitas) vindas da Justiça em ano eleitoral. Elas, em geral, são tão injustificáveis que estimulam candidatos a manterem batalhões de advogados atrelados às campanhas. A missão deles é judicializar tudo, inclusive manifestações de pensamento garantidas pela Constituição e confirmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do ministro Raul Araújo de censura contra o festival Lollapalooza entra nesta conta, como entram matérias jornalísticas confundidas com propaganda eleitoral.
Há coisas que beiram o absurdo e que precisam ser observadas pelos julgadores. No caso do Lollapalooza, o minsitro atendeu parcialmente a um pedido protocolado pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Na sexta-feira (25), a cantora Pablo Vittar exibiu uma toalha com a imagem do ex-presidente Lula (PT), virtual candidato a presidente. No mesmo dia, a cantora britânica Marina disse cobras e lagartos do presidente. A reação do PL foi entrar com uma ação judicial para impedir novas manifestações de pensamento. Surpreende? Não. O natural, no entanto, era que a ação fosse rejeitada, mas não foi.
Em pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, a Corte deixou claro que “não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações”. Os ministros disseram ainda que “é também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral”.
Isso é difícil de entender? Creio que não. Mesmo assim o ministro do TSE, reinterpretando a jurisprudência da Suprema Corte, disse que os artistas fizeram propaganda eleitoral e afirmou que a atitude contraria a legislação. O magistrado, para isso, citou o artigo 36 da Lei das Eleições, que afirma que “a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”. Só que no mesmo ordenamento jurídico, o artigo 36-A diz que não configura propaganda eleitoral antecipada, desde que as manifestações não envolvam pedido explícito de voto.
A falta de unidade nas decisões, muitas vezes expedidas por um mesmo julgador, também gera confusão para o cidadão sobre o que é e o que não é permitido. O mesmo ministro que decidiu censurar o Lollapalooza rejeitou há poucos dias uma representação do PT que pedia a retirada de outdoors com manifestação de apoio a Bolsonaro e críticas a Lula. O juízo eleitoral tem historicamente dificuldades para firmar jurisprudência por essa e várias outras decisões. E isso fica cada vez mais comum diante de fatos como o registrado neste fim de semana.
A censura no Lollapalooza, diga-se de passagem, fez com que as manifestações fossem ainda mais estridentes, com artistas e público reafirmado críticas a todo o tempo contra candidato e Justiça. É preciso bom senso.
Quer receber todas as notícias do blog através do WhatsApp? Clique no link abaixo e cadastre-se: https://abre.ai/suetoni