O Senado estuda retirar a vadiagem da lista de contravenções. Trata-se de um delito que existe no direito penal brasileiro desde os tempos do Império e enquadra os indivíduos que não têm trabalho e se dedicam à ociosidade.
A punição está atualmente prevista na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688), assinada pelo presidente Getúlio Vargas em 1941, na ditadura do Estado Novo. A ociosidade pode custar aos vadios até três meses de prisão.
A existência desse delito é uma das razões pelas quais muitas pessoas, em especial as mais pobres, têm o hábito de carregar a carteira de trabalho sempre que saem à rua. Elas se sentem assim protegidas diante da eventualidade de uma batida policial.
O projeto de lei que extingue o delito de vadiagem (PL 1.212/2021) acaba de avançar no Senado. Foi aprovado no último dia 29 pela Comissão de Segurança Pública (CSP) e está agora em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se passar no Senado, irá para a Câmara dos Deputados.
O autor do projeto é o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que tem formação em direito e é delegado de polícia. Segundo ele, a contravenção de vadiagem deveria ter sido eliminada há muito tempo porque seu verdadeiro intuito é estimular o racismo e o ódio aos pobres.
“Os próprios termos da definição de “vadiagem” são tão abertos e genéricos que se prestam à má interpretação dos operadores do direito e autorizam uma espécie de controle social do Estado sobre os cidadãos, promovendo a desigualdade e penalizando o pobre”, diz Contarato.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) Rubens Casara, que é integrante da Associação Juízes e Juízas para a Democracia (AJD), concorda com a avaliação de que a vadiagem é um delito que sempre teve a população pobre — majoritariamente negra — como alvo específico.
“A tipificação penal da vadiagem vem de uma época em que prevalecia o chamado direito penal do autor. Punia-se a pessoa pelo que ela era, não pelo que ela fazia. Esse direito penal foi depois aplicado em regimes como o fascista, o nazista e o stalinista. Na democracia, não há espaço para ele. Por isso, muitos juízes e doutrinadores entendem que a vadiagem como contravenção não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico da Constituição de 1988”, disse.
Casara continua: “Esse é um exemplo típico de controle dos indesejados, daqueles que não interessam ao poder econômico. Viver na ociosidade sendo pobre dá cadeia, mas viver na ociosidade sendo rico dá coluna social. Podemos pensar em Jorginho Guinle, uma figura cultural famosa do Brasil [cuja família construiu o hotel Copacabana Palace], que se orgulhava de jamais ter trabalhado na vida. Ele nunca responderia a um processo por vadiagem”.
De acordo com historiadores, a criminalização da vadiagem começou no contexto da Revolução Industrial, no século 18, especificamente na Inglaterra. No nascimento do capitalismo, a indústria pioneira foi a têxtil de lã, e os camponeses foram as principais vítimas.
Dada a necessidade de pastagem para a criação de ovelhas, eles foram expulsos do campo. Em razão da necessidade de mão de obra abundante e barata para a indústria, foram constrangidos por leis penais ao trabalho urbano.
Aqueles que se recusassem a trabalhar na indústria eram acusados de “vagabundagem” e, como punição, poderiam ser açoitados, marcados a ferro em brasa, ter uma orelha cortada, ser transformados em escravos e até mesmo receber a pena capital e ser executados. Na época, os funcionários das fábricas não eram protegidos por direitos trabalhistas. (Agência Senado)
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